O dia 8 de julho de 2011 vai ficar marcado como um dos mais tristes da minha vida. Neste dia, perdi uma das minhas melhores amigas: Adriana da Silva Harter. Ela sempre foi um exemplo pra mim, um porto seguro, um ombro amigo, alguém que mesmo quando te dizia coisas duras, soava suave como um carinho. Seu corpo frágil, limitado pela paralisia infantil quando ela recém começava a dar os primeiros passos, abrigava uma mulher forte, obstinada, sempre disposta a perseguir seus objetivos.
Ela entrou na minha vida quando eu era ainda bem pequena e o sentimento de criança inexperiente, de dó da sua condição, a medida em que foi convivendo com ela se transformou em grande admiração e incentivo para também buscar os meus objetivos. Mesmo com dificuldades de locomoção, porque na época, ninguém estava preocupado com a mobilidade de deficientes físicos, a cadeira de rodas não tinha como chegar nos andares mais altos do prédio da Faculdade, mesmo assim, auxiliada pela família, que foi incansável em todos os momentos, ela se formou em Psicologia, profissão que ela amava, pois ajudar as pessoas a tornava gigante, uma fortaleza.
Não foi por acaso que eu fui acolhida na casa dela, quando vim para Pelotas estudar. A mãe dela, prima da minha mãe, era minha dinda de Crisma, a dinda que eu escolhi e, meu Deus, foi uma das escolhas mais acertadas da minha vida. Com esta família, iluminada, eu cresci como pessoa e me tornei como filha. Nós tínhamos pouco mais de quatro anos de diferença e como ela me entendia, me fazia sentir importante e com eles eu fui muito feliz. Eles participaram dos momentos mais felizes da minha vida: minha formatura em Jornalismo, o nascimento e crescimento das minhas filhas e também dos momentos tristes, como a perda da minha mãe, e conturbados, como a minha separação.
Ficamos um longo tempo afastadas, pois nossas vidas tomaram rumos diferentes. Ela mudou de cidade, se casou e voltou para Pelotas, onde nos reencontramos e a nossa amizade continuava inabalável, como se o tempo não existisse. Há duas semanas, bateu uma saudade, peguei o telefone e liguei, dizendo que estava com saudades e fui visitá-la. Passamos um final de semana muito alegre, rimos muito. As primas dela, também estavam lá e esta foi a última vez que a vi. Até que na sexta-feira, no final da tarde, eu recebi a notícia da sua morte. Pelo que me contou a sua prima, suas últimas palavras foram de resignação: “Morrer não é tão ruim assim”.
O corpo físico e frágil se foi, mas ficou a lembrança daquela mulher forte, que enfrentava diariamente o trânsito maluco de Pelotas, com sua cadeira de rodas elétrica para chegar ao trabalho. Quem cruzava pela rua Dom Pedro II, diariamente, certamente a avistava e se horrorizava com o risco que ela corria no meio dos carros. Para ela, este era apenas mais um desafio da vida, vencido com muita força de vontade e obstinação. Ela era a pessoa mais cheia de vida que eu conheço. Ela viveu intensamente, chorou, riu, amou, se magoou, cuidou e com certeza foi amada por todos que a conheciam.
Se Deus envia anjos à Terra para nos ajudar nos momentos mais difíceis, certamente a Adriana era um desses anjos. E como era iluminada. Sinto não ter estado presente durante os dias que antecederam a sua morte. Sei que ela sofreu, pois a respiração lhe faltava. Queria poder estar do lado dela lhe oferecendo a minha mão. Não tive coragem de ir no seu enterro. Quero guardar como última lembrança dela, aquele sábado em que rimos muito e lembramos os velhos tempos. Quero guardar dela a lembrança da pessoa mais feliz que eu já conheci. Te amo, amiga, e você vai estar para sempre no meu coração.
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